Às vezes, coisas grandes parecem tão distantes e, às vezes, coisas pequenas até parecem impossíveis. Hoje, no quarto do L., aconteceu uma pequena grande surpresa. O que para muitos pode ser um pequeno gesto para a realidade, para ele foi uma grande conquista: ele bateu palmas.
Pode até parecer tão pouco, mas para a realidade dele foi um verdadeiro aplauso. O L. vive num mundo que é bem dele e até mesmo para nós, besteirologistas, não é fácil atravessar essa fronteira.
Na verdade, não sabemos onde começam ou terminam os limites desse mundo, mas o simples fato de ele bater palma mostrou-se como um grande aplauso, pois por um instante o muro que separa o mundo dele abriu suas fronteiras e nos permitiu a migração para um breve encontro.
Simples assim. Num mundo cada vez mais dividido, esses momentos mostram de fato que o instante é breve e que tudo vale a pena. Há sempre uma preparação nessa vida para pequenas e grandes coisas, todas necessitam de um preparo. Nós nos preparamos para atender nossos pacientes e, a partir de cada encontro, pode surgir um mote para os próximos atendimentos, e isso vai fortalecendo os vínculos e criando possibilidades.
Mas tem dias que somos surpreendidos. Foi o que aconteceu com a P. Em uma de nossas passagens pelo ambulatório, ela descobriu que o Dr. Eu tem medo de um ratinho de estimação do Dr. Micolino. A diversão estava garantida.
Passaram-se alguns dias e a P. estava numa enfermaria. Como de costume, chegamos, pedimos licença, entramos… E já dava pra perceber que havia algo no ar: a menina e a mãe dela cruzavam olhares, com um sorriso de canto de boca. O que poderia acontecer?
– Temos uma surpresa para os Doutores!, disse a mãe.
Elas falaram que era um livro e que o Dr. Eu precisava ler uma estória. Ele mal conseguia disfarçar a ansiedade, era sorriso de canto a canto. Nem sabia de que lado segurar o livro, que foi entregue nas mãos dele pela própria menina. Estava bem fechadinho e já marcado na página onde deveria ser aberto para a leitura.
Elas começaram uma série de recomendações: para abrir com muito cuidado, que era frágil, e que abrisse devagar, etc e tal. Nossa, quanta coisa pra uma leitura rápida de uma estória! E as duas sempre trocando olhares, o riso quase saltando.
Quando o livro foi aberto, dentro estava um ratinho de borracha! Dr. Eu mudou de cor, o choro ficou preso enquanto os risos da P., da mãe dela e do pai ecoavam soltos pelo quarto! E quanto mais o palhaço chorava, mais eles riam.
E assim, de surpreendedores, passamos para surpreendidos. Essa história nos faz acreditar que vale a pena deixar que as pequenas coisas nos surpreendam, pois assim elas podem tomar um grande sentido em nossas vidas.