Ele tem alguns centímetros, uma boca rosada e seus olhos lembram bolas de gude. O sonho da mãe do R. era que ele fosse pra casa.
Pois é, o menino nunca foi pra casa desde que nasceu e sua mãe sempre esteve ao seu lado. Eu (dr. Marmelo) e a dra Tan Tan nos oferecemos pra levá-lo dentro do nosso jaleco, mas a mãe disse que o garoto não podia sair da UTI porque ele não conseguia dormir. “Isso não é problema”, pensamos, a gente sabe cantar música de ninar, ele vai dormir na hora… Mas não bastava apenas a música de ninar, ele tinha que colocar um marca-passo diafragmático que o permitiria, enfim, ir para casa. Custou a chegar!
E enquanto não chegava, a gente fazia festa no corredor do Hospital Barão de Lucena. Um belo dia, estávamos eu e a Tan Tan em nosso plantão besteirológico, quando avistamos uma médica correndo em nossa direção:
– Gente, vocês já foram ao quarto do R. hoje?
– Não! – respondemos.
– Pois vão, ele vai deixar o hospital pra fazer a cirurgia. Ele conseguiu o marca-passo.
Fomos correndo lá no seu quarto. Antes de abrir a porta, a gente fez alguns sons. Olhamos escondidos pela porta e, quando o vimos, ele já deu um salto da cama e ficou nos esperando de braços abertos. Entramos cantarolando uma música.
– R, ainda nem é carnaval e você já vai pra o bloco. O bloco cirúrgico!
Perguntamos às médicas, enfermeiras, técnicas e mães que acompanhavam a visita se tinham dado banho no menino. Tinha acabado de tomar. Mas não custava nada tomar outro! Cantarolei uma música na minha viola e Tan Tan fez bolhas de sabão que voavam por todo o quarto. O menino não sabia o que fazer. Sua mãe pegava as bolhas na mão e colocava no sovaco do filho. Banho tomado!
Agora vamos ver se ele está girando bem da cabeça. Tirei uma flor gigante do meu bolso e ele fixou o olho nela. Pra onde eu ia com a flor, ele olhava e sua cabeça acompanhava seu olhar. Ou seja, girando bem da cabeça.
– Tudo pronto pra você ir para o bloco cirúrgico, R. Vamos sentir saudade do seu sorriso!
Fomos nos afastando lentamente, o quarto já não estava com a gente, ele mirava nossos passos bem de longe. Chegamos ao final do corredor e ele ainda olhava. Já nem ouvíamos o que era dito dentro do quarto. Vimos sua mãe falar algo no seu ouvido. Logo em seguida, ele coloca a mão na boca e solta um beijo.
Dr. Marmelo e Dra Tan Tan (Marcelo Oliveira e Tamara Lima)
Hospital Barão de Lucena – Recife