É justo nos questionarmos sobre o sentimento de vazio que paira, em uma parte da sociedade, no enfrentamento do novo coronavírus. Que pandemia é esta que chega e nos lembra que o modo em que vivemos precisa mudar, que nos cutuca e faz lembrar que temos muito a conversar com nossos hábitos diários?
Não me assusta concordar com a ideia de que estamos nos negligenciando há muito tempo. Sinto que é o momento de irmos ao encontro inadiável que precisamos ter com cada um de nós. É um momento esperançoso para acreditar que a sociedade precisa se tornar outra.
Como produtor cultural do projeto Plateias Hospitalares no Rio de Janeiro, estou neste momento longe dos hospitais, longe do ofício presencial. Resolvi escrever para me escutar e para acreditar que o caminho é individual, mas a demanda é de todos. Embora nos noticiários eu escute que estamos vivendo um confinamento social, não o sinto desta maneira. Estamos vivendo um confinamento físico que nos traz sim vantagens sanitárias, mas também possíveis desvantagens à saúde mental.
A população está socializando cada vez mais através de novas tecnologias e plataformas que permitem vídeos, lives e conteúdos que surgem para facilitar as nossas vidas e torná-las “normais”. Contudo, quero mais do que nunca estar de volta à rotina de beijos, abraços, toques e trocas de experiências no coletivo, onde aprendo que estar vivo é estar em contato, sem medo do contágio invisível que um simples aperto de mão bastaria.
Inúmeras vezes, nos leitos hospitalares, preveni a exposição da equipe às possíveis “superbactérias”, às precauções respiratórias e ao perigo de contatos que diariamente estamos expostos aos pacientes em isolamento em leitos precários, em sua grande maioria, sem nenhuma humanização e acolhimento que, evidentemente, essas pessoas têm direito. Não imaginei que hoje, assim como os enfermos, estaríamos todos expostos aos perigos.
Permaneço isolado, com a paranoia de que agora todos nós somos pacientes; que todos nós devemos seguir condutas de um novo tipo de convívio. Pelo que vejo, somos todos pacientes impacientes.
Encaro o período de quarentena como medida de solidariedade social em que ajudamos uns aos outros a atravessar esse período dignamente e sãos. E entendo como um “carma coletivo” que precisamos atravessar nesse momento para sairmos dele modificados e transformarmos em pessoas que veem além do limite do cuidado pessoal; em pessoas que conseguem enxergar melhor o cuidado com o próximo. Este isolamento físico será valioso se conseguirmos nos conectar com nossas potências criativas e sermos menos vulneráveis e frágeis mentalmente.
Infelizmente estamos a caminho da fase da quarentena em que esperamos o sentimento de luto pelos mortos do vírus, como já é visível em outros países. Será o período em que precisaremos acolher o silêncio. Pegá-lo no colo e fazê-lo entender que o ressignificamos e o potencializamos para termos um convívio social saudável.