Começamos o dia de trabalho pela UTI do Hospital Santa Marcelina. Passamos a porta e já na antessala encontramos todas as mães e um pai com caras preocupadas. Lá dentro estava tendo uma intercorrência, que é um nome genérico para um problema. Se nem os pais estavam autorizados a entrar, imagina os palhaços.
Demos meia volta e fomos para a ala B, onde encontramos uma menina, de uns oito ou nove anos, aparentemente sem sintomas.
– Quero ir embora!, ela repetia sem parar.
– Já estamos de alta, só falta o médico autorizar! Ela está ansiosa!, nos contou a mãe.
Voltamos à UTI e os pais já tinham entrado. Mal abrimos a porta e sai uma maca com um paciente que ia fazer um exame. Recebemos a notícia de que a Bruna* estava muito ruim. A menina está há muito tempo na UTI, na cama ao lado de Jonas. Na visita passada, Jonas tinha nos presenteado com um sorriso contagiante de orelha a orelha, e hoje estava desacordado com a máscara de oxigênio escondendo metade de seu rosto.
O lugar estava tenso e sentimos o peso do ambiente. Saímos baqueadas.
Fomos para a Oncologia. Perguntamos no balcão da Enfermagem se estava tudo bem e ficamos sabendo que um paciente querido teria que amputar a perna. Ele já tem mais de 20 anos e estava conformado pois ia conseguir andar. Hoje em dia as próteses são muito eficientes e o médico contou que ele poderia até jogar futebol, mas a prótese depende da extensão do tumor, e isso só será descoberto quando ele operar.
Ali mesmo, ficamos sabendo que a menina da ala B é da Oncologia, vai ter alta e começar a radioterapia para tratar um câncer. A médica desabafou que estava sendo um dia tão difícil que ainda não tinha conseguido sair dali para dar a alta para ela.
Ainda conversando com a médica, a porta de um dos quartos se abriu e veio uma enfermeira de máscara e luvas, muito nervosa, em nossa direção. Não estava conseguindo passar o acesso no Felipe. O menino tinha gritado quando ela tocou em seu braço para ver se era possível fazer o procedimento.
– Sem condições, não dá para fazer. Vocês decidem se ele fica sem acesso ou se vai para a Central.
– O que é ir para a Central?, perguntamos. E descobrimos que ele teria que tomar anestesia para passar o acesso pois estava ultra nervoso.
Entramos com o maior cuidado no quarto de Felipe, que chorava, acompanhado de uma moça bem jovem. Felipe e sua mãe são de Cuiabá. Demoramos para perceber o tumor na perna do menino, que era realmente muito grande.
A mãe contou que foi para o hospital em dezembro do ano passado pois ele estava com dor e tinha um carocinho que, na época, era do tamanho de uma bola de gude. A demora de quatro meses fez com que o tumor crescesse e, agora, parece que já não tem mais o que fazer. Felipe completou a história:
– Agora está doendo aqui também! – e mostrou o canto da bacia.
Nós apenas ouvíamos e intervíamos na medida do possível. Aos poucos Felipe se acalmou e dormiu. Nos despedimos e saímos arrasadas. Quase indo embora, no corredor, uma funcionária do hospital pediu uma música. Fomos quebrando o gelo e o nosso vazio também. Algumas piadas, risos e seguimos. No corredor seguinte, encontramos a menina da ala B.
– Mãe, eu quero ir para casa!
A médica ainda não tinha conseguido passar.
* os nomes das crianças foram substituídos para preservar sua identidade