Como vocês sabem, um Doutor da Alegria precisa ser ator profissional e ter experiência com a linguagem do palhaço. Pois é, imagina só…todo mundo da área de Humanas. Qual o problema nisso? Precisamos confessar, mas vou falar baixinho e não espalha: geralmente os palhaços são péssimos com números! Mas eu, Dr. Zequim, e Dra. Manela, somos exceções, claro!
No último mês, os números, muitos deles, insistiram em se fazer presentes até dentro do hospital. Tiramos de letra! Ou melhor, de calculadora! Resolvemos aceitar os desafios matemáticos, não brigar com a tabuada e contar (contar no sentido de contar história e não “contar contas”, por favor) alguns casos que nos aconteceram no M’Boi Mirim, hospital na Zona Sul de São Paulo, todos eles envolvendo números:
1.
Na pediatria, há sempre pelo menos um quarto destinado aos recém-nascidos. Na maioria dos casos são bebês em tratamento preventivo de sífilis. E, na maioria dos casos, a idade desses bebês gira em torno dos 10 dias.
Em geral, eu, Dr. Zequim, digo às acompanhantes que eu também já tive 10 dias… frase que, invariavelmente, a Dra. Manela completa com um sonoro “faz tempo, né?”.
Diante disso, resolvi aceitar, assumir e divulgar a minha idade nesses quartos: hoje ela é de exatamente 17.559 dias.
Como as acompanhantes à nossa volta desconfiam da veracidade desses números, começamos a fazer com que elas calculassem suas próprias idades em dias. Elas ficam abismadas com os números altos de suas idades, embora sejam sempre muito mais baixos do que os nossos… Digo “nossos” porque a Dra Manela (que ela não nos ouça) é 89 dias mais velha do que eu. Mas, por favor, que isso fique entre nós, hein?
E você, caro leitor, cara leitora, qual sua idade em dias?
Bora calcular!
2.
Outro caso envolvendo números é o do João Victor. Trata-se do João Victor “quinto”. O “quinto” serve para localizá-lo entre os outros 17 Joões Victor que vimos na pediatria nesse mês (o nome está na moda).
O João Victor em questão é o orgulho do pai, motorista de ônibus da linha 675 K.
– Pode perguntar tudo pro meu filho porque ele estuda na ETEC, disse o homem.
– Tudo mesmo?, indagamos.
– Tudo!
– Então, tá. Olha, João Victor, nós temos uma dúvida com relação aos números…
Quando o adolescente, que estava deitado na cama, ouviu a palavra “números”, se ergueu e, sentado, esperou a pergunta.
E nós continuamos:
– João Victor, você poderia nos dizer qual série de números é maior: a série de todos os números (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8…) ou a série dos números pares (2, 4, 6, 8…)?
E o rapaz pôs se a responder:
– Olha, a série de todos os números contém os números pares e também os ímpares, então ela seria maior do que a série que só contém os números pares, certo?
– Certo.
– Mas as duas séries são infinitas, certo?
– Certo.
– E eu não sei se um infinito pode ser menor do que o outro, já que os dois não têm fim. Mas e vocês, palhaços, o que vocês acham?
– A gente?
– É, vocês!
– A gente acha que seu pai está certíssimo em ter orgulho de você.
3.
Nathaly é uma garota de 3 anos internada na UTI por problemas respiratórios.
Durante nossa visita de “cara limpa” (troca de informações com a equipe), uma fisioterapeuta nos aborda dizendo que seria tão bom se Nathaly conseguisse andar um pouco para exercitar seus pulmões. “Vocês conseguiriam fazer com que ela andasse?”, a fisioterapeuta nos pergunta.
Fugimos do tom de milagre que a pergunta involuntariamente evocava e respondemos que nossas aptidões estavam voltadas para a noção de jogo e ficção, mas que… (e esse “mas” é importante”) guardaríamos a solicitação em nossas mentes caso o caráter lúdico de nossa intervenção permitisse coincidir com o caráter “fisioterapêutico” da ação.
E dito e feito.
Ao invés de caçarmos bolhas de sabão estaticamente ao redor de seu leito, percebemos que era possível – e até mais divertido – fazer uma caçada dinâmica pelo corredor da UTI.
Foram 4 voltas no corredor somando um total de 282 passos de Nathaly.
4.
O último caso envolvendo números diz respeito a uma ampliação de nosso itinerário palhacesco dentro do hospital.
Após uma reunião entre membros da diretoria dos Doutores da Alegria e da diretoria do hospital do M’Boi Mirim, decidimos atuar em caráter experimental, porém oficial, na sala de televisão da ala adulta. Não se trata da visita leito a leito tal qual realizamos na pediatria, mas de uma abordagem específica para os pacientes que se encontram naquele ambiente, no momento de nossa passagem de palhaços.
Vale dizer que ali também utilizamos o procedimento da visita de “cara limpa”, para obter informações da equipe de saúde sobre a situação do ambiente antes de começarmos nossa atuação.
Essa alteração de itinerário tem gerado um aumento de 10 a 20 pessoas (entre equipe e pacientes) impactadas por nosso trabalho a cada dia e muitas histórias novas, que não necessariamente têm números (ufa!), mas que ficam para o próximo relatório!