Há dez anos atuo como palhaço nos hospitais de Recife. E essa história é sobre quando fui trabalhar por um dia em São Paulo.
Primeiro veio uma felicidade em saber que eu ia trabalhar em outra cidade, em outro hospital e com outros palhaços e palhaças. Assim que cheguei ao Instituto da Criança, fui recepcionado pela palhaça Lola, a artista Luciana Viacava.
Ela me presenteou com um crachá. Nele havia uma foto minha, de palhaço, estampada e um aviso que dizia: em caso de extravio, devolva imediatamente ao dono e pague mil reais.
Fomos para uma sala nos arrumar. Enquanto eu fazia a maquiagem, foi caindo a ficha do quanto eu estava com medo. Daí lembrei de uma frase muito falada nos treinamentos no Doutores: “Se joga no abismo”!
Eu sinto que o trabalho no hospital coloca o artista diante de uma parede branca. Junto com as crianças, ele vai colorindo essa parede através do improviso. O trabalho não tem ensaio.
Acabamos de nos arrumar, meu coração palpitando, mãos geladas. Colocamos o nariz e saímos para o corredor cantando e dando bom dia aos profissionais. Estávamos a caminho da primeira enfermaria onde a gente conheceria o João.
O menino, de uns 5 anos, estava eufórico em seu leito. Disponível para a brincadeira. Ficamos eu, a Lola e o Chicô parados na porta da enfermaria, respirando e olhando atentamente o João.
Entrei animado para falar o quanto a enfermaria dele era legal. No mesmo instante Lola, da porta, disse que eu havia entrado sem pedir licença e que aquilo era um absurdo. Chicô, da porta, logo disse que Lola também havia entrado sem permissão. E entrou para pedir desculpas ao garoto. Eu e Lola rapidamente apontamos que Chicô também havia entrado sem pedir licença.
João parou a confusão: os palhaços poderiam entrar sem pedir licença. E cantar uma música para ele. Respiramos aliviados e entramos juntos no quarto. Peguei minha viola e cantarolamos.
Sabe, eu nunca havia trabalhando com aqueles dois outros artistas, que eram da unidade São Paulo da Doutores da Alegria. Somos de regiões distintas, mas, mesmo assim, o trabalho teve unidade.
Fiquei tranquilo depois do encontro com João, pois percebi que a escuta guiou nossa atuação. Uma escuta ampla, que nos colocou em estado de presença, com olho no olho para entender os códigos da construção da dramaturgia e, sem combinar, construir com a criança uma narrativa com início, meio e fim.