Ter na agenda de novembro do projeto Plateias Hospitalares, mês da comemoração e reflexão sobre a Consciência Negra no Brasil, a presença de artistas pretos realizadores de conteúdos que valorizam a cultura africana em diásporas me faz pensar no sentimento de representatividade e de potência que pode ser despertado no público dos hospitais públicos do Rio de Janeiro.
Estar visível e ocupar espaços para relembrar a nossa história cultural possibilita o conhecimento sobre o passado e o empoderamento para que consigamos ter um futuro com mais respeito e tolerância racial.
“Estar visível e ocupar espaços para relembrar a nossa história cultural possibilita o conhecimento sobre o passado e o empoderamento para que consigamos ter um futuro com mais respeito e tolerância racial.”
Percebo neste circuito hospitalar cultural negro a conexão entre o público e a arte quando, em um jogo lúdico na contação de histórias afro-brasileiras e africanas, o paciente toma o lugar da protagonista e conta suas experiências como capoeirista, seu apelido nas Rodas de Capoeira e, mesmo limitado ao acesso venoso, desafia a atriz Juliana Correa na dança e na ladainha, como aconteceu no Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, na apresentação do espetáculo “Entre contos africanos e afro-brasileiros”.
Bingo! A conexão entre a proposta oferecida e a recebida através do lúdico aconteceu. A comemoração deste recorte racial agrega também uma reflexão sobre a contribuição na arte desses artistas e sobre a importância da sua memória, reacendendo o combate ao racismo naqueles que estão etiquetados nos hospitais como pacientes, visitantes ou profissionais da saúde.
E nas apresentações, principalmente neste mês comemorativo, vejo dois fatores recorrentes que me fazem questionar o lugar do preto na sociedade: poucos médicos e a significativa quantidade de faxineiros e enfermeiros pretos, em sua maioria mulheres. Como produtor preto na cidade do Rio de Janeiro, me preocupa a ideia do racismo ainda nos impedir de estar em qualquer lugar ou de haver espaços específicos para serem ocupados por pessoas pretas que fazem arte. Lugar de preto é em todo lugar!
“Como produtor preto na cidade do Rio de Janeiro, me preocupa a ideia do racismo ainda nos impedir de estar em qualquer lugar ou de haver espaços específicos para serem ocupados por pessoas pretas que fazem arte. Lugar de preto é em todo lugar!”
Em nossas cúmplices trocas de olhares víamos as expressões faciais, algumas vezes incômodas, nas plateias improvisadas em enfermarias e brinquedotecas, quando surgiam no “palco” reis e fadas pretos, nas mitologias africanas sobre a criação do mundo, nos movimentos das danças dos orixás, nos figurinos ricos em cores, miçangas, turbantes, búzios… Víamos também expressões de identificação que motivavam o orgulho sobre a nossa história de resistência, almejando uma sociedade democrática de direitos.
Em conversas da produção com os artistas afros ficou marcada a necessidade da troca de conhecimentos sobre a nossa história cultural. Seja qual for a cultura, não podemos deixar de motivar as formas de representações artísticas que podemos ter para fazer valer o pertencimento em uma sociedade cheia de preconceitos.
E ir além, criar o hábito do ouvir, compreender e repassar adiante a luta que tivemos, quem somos hoje e em qual tipo de sociedade queremos estar.