Tem gente que no mundo de hoje ainda é capaz de colocar rótulos. E não estamos falando de embalagens, não. Estamos falando em rótulos colocados em pessoas, gostos e até em cores. É uma mania de determinar o que é de quem, que dá até agonia no juízo.
O pior de tudo isso é que as pessoas que têm esse pensamento, muitas vezes, são ouvidas por muitas outras que estão construindo seus próprios pensamentos e vão na trilha desses tais “determinadores do futuro”.
Nós já ouvimos bobagens como “rosa é de menina; azul, de menino”, “brincadeira de boneca é para meninas, futebol para meninos”. Alguém já se deparou com tamanho equívoco? Ora, cores são de TODO MUNDO, brincadeiras são para TODO MUNDO!
Há quem diga, ainda, que homens não choram. Ah, aí já é demais, né?!
A lágrima tá lá, prontinha pra sair, impulsionada por uma emoção, explodindo pelos olhos e o homem não pode sentir, não pode deixar que as pessoas vejam aquela gotinha de significado saindo?
Nós preferimos crer no contrário. Até porque, vimos tantas faces masculinas lavadas de lágrimas que podemos desconsiderar mais essa insana herança do patriarcado.
Para nossa alegria, conhecemos Seu José e sua linda Maria no IMIP. Nessa simplicidade de nomes estava a relação mais simples e pura de pai e filha.
Ele nos disse que nunca tinha vindo à Recife, mas precisou “porque ela ficou doente”. Conforme nos contou, olhando bem para a menina, como se tivesse querendo dizer “olhem para ela, como é linda!”.
Seu José mora em Ibimirim, que significa “terra pequena” pela junção de “yby” (terra) e “mirim” (pequeno). É um município com aproximadamente 26.000 habitantes, localizado no interior de Pernambuco, banhado pelo rio Moxotó.
Dava pra ver no olhar de Seu José que ele era um homem que morava perto da natureza e dos bichos. Ele tinha um bigode que atravessava de um canto a outro seu rosto, um sorriso tímido, voz baixa e mãos calejadas. Carregava no seu rosto a inocência daquele inseto verde, a Esperança, e um rio prestes a transbordar.
Ao chegarmos na sua enfermaria, levantou seu chapéu para nos cumprimentar. Já Maria, sua filha, uma criança de 10 anos, se escondeu embaixo do lençol. Puxamos um assunto, outro, confirmamos o grau de parentesco:
– O senhor é o quê dela?
– Pai.
– Desde quando?
– Desde que ela nasceu.
– E você, Maria, é o quê de Seu José?
– Filha!
– Desde quando?
– Desde que eu nasci.
– Bateu! – respondemos juntos, eu (Dra. Nana) e o Dr. Marmelo.
Dr. Marmelo continuou a investigação perguntando se Seu José gostava de música. Ele respondeu que sim, com um sorrisinho tímido de quem tem até rádio de estimação. Então, começamos a cantoria:
“Em vez de você ficar pensando nele
Em vez de você viver chorando por ele
Pense em mim, chore por mim
Liga pra mim, não, não liga pra ele
Pra ele, não chore por ele!”
Foi só a gente falar sobre chorar e não chorar que a barragem guardada em Seu José rompeu. O alagamento começou bem nas olheiras, juntou um pouquinho de lágrimas e logo desaguou bochecha abaixo.
Não teve disfarce não, foi liberdade pras águas, nenhuma mão a enxugar, nada para se negar ou tentar segurar. Até porque, como cantam os Racionais, a lágrima “cabe em um olho e pesa uma tonelada”.
Dra. Nana (Ana Flávia) e Dr. Marmelo (Marcelo Oliveira)