O Pronto Socorro Infantil do Hospital M’boi Mirim é uma grande sala com capacidade para 20 a 25 leitos que são separados por uma parede, ficando 12 leitos de um lado e 12 leitos de outro. Zequim e Manela entram e olham ao redor para ver se são percebidos. Ao longe uma mãe sorri, o que significa uma primeira possibilidade de abertura para uma relação.
Manela vai se aproximando e Zequim pergunta, em cumplicidade com as mães e pais, se a palhaça bateu na porta antes de entrar ou se foi adentrando como se a casa fosse sua. As mães riem. Sem graça por ter entrado sem bater, Manela anda até um leito, passa para outro, e mais outro, até que é interrompida por Zequim.
– O que você está fazendo, Manela?
– Estou procurando a porta, ora!
Do fundo da sala ouve-se uma mãe:
– Usa a imaginação.
Os palhaços se olham, espantados com ideia que acabaram de ganhar, e perguntam:
– Onde está a imaginação?
A mãe responde:
– Na sua frente.
A palhaça, num ímpeto de querer descobrir onde está a imaginação, procura. Procura. Procura mais. Mas agora ela procura duas coisas: a porta e a imaginação.
– Manela! Ei, Manela!, fala o palhaço, acho que você não está enxergando. A porta está aqui. Como ela, a mãe, mesmo disse: use a sua imaginação.
Zequim fecha os punhos da mão direita e faz o movimento de bater na porta. Surpreendentemente um barulho de porta sai de suas mãos. Ele, orgulhoso do que fez, repete. E o som de alguém batendo na porta é real. Manela, espantada, parabeniza Zequim. Olha em volta e as mães também estão espantadas.
– Como isso acontece?, pergunta Manela.
E lá do fundo, aquela mãe:
– Isso acontece porque ele está usando a imaginação.
Aplausos. Dentro da minha cabeça.
Querendo aprender a usar a imaginação, Manela pede ajuda. A mãe se levanta, vem em direção aos palhaços e demonstra o que acabara de ver Zequim fazendo. Manela repete. E começam a soltar a imaginação.
Começam literalmente a abrir portas. Portas enferrujadas, portas com campainha, porta de castelo assombrado. Todos esses sons eram feitos pelos palhaços – ou com o violino ou com a própria voz. Até as enfermeiras, que estavam assistindo, entraram na brincadeira. Tinham que passar com a medicação e Zequim e Manela pediam que elas entrassem pela porta.
Chegou uma mãe que esteve fora durante a interação com os palhaços. Sorriu. Eles contaram das novas instalações na sala e que ela teria que “abrir a porta” para entrar. Levamos a mãe até a porta e ela, entrando na brincadeira, girou a maçaneta.
Aplausos. Dentro da minha cabeça.
Você percebe que seu trabalho de palhaço repercute no outro quando as pessoas se permitem brincar. Em pleno Pronto Socorro. O caso da mãe que soltou essa pérola de frase (“use a imaginação”) foi o botão ou a chave que esperamos que seja apertado ou virado em nossas intervenções.