Uma receita de pão é muito simples: farinha de trigo, água, fermento, óleo vegetal (ou manteiga, ou margarina), sal e açúcar. Pronto. Sempre foi assim. Misturando tudo isso, surge um delicioso Pão Francês, Pão de Sal, Pão Jacó, Cacetinho, Pão Cará, Pão de Massa, Pão Careca, Pãozinho, Filão… Eita. São tantos os nomes desse rei do café da manhã brasileiro. E, com certeza, tem ainda muito mais nomes por aí para esse queridinho que, em Recife, divide o reinado com o nosso também prestigiado cuscuz.
Bom, quem acha que o pãozinho divide o reinado com o cuscuz sou eu (isso está até me dando fome). Para Rebeca, o pão-dela-de-cada-dia é o rei único e soberano. E nele, ninguém toca. Nem eu, que sou o Dr. Wago Ninguém.
Conhecemos Rebeca na UTI do quarto andar do Hospital da Restauração. A cama dela ficava muito perto da porta, de forma que sempre que entrávamos no lugar, ela era a primeira criança que víamos. Com ela não tinha conversa: um olhar atento e desconfiado; a mão firme segurando um pão com seriedade depois de uma mordida interrompida pela presença inesperada de duas pessoas estranhas, eu e a Dra. Baju; a testa franzida expressando toda a cautela disponível em pouco mais de meio metro de gente; nenhum ar de riso.
Apenas ela com sua guarda alta protegendo o seu tão amado pão. Foi assim muitas vezes. Ela até nos acompanhava de longe, ouvindo nossas canções para as outras crianças do ambiente. Mas não queria de jeito nenhum papo conosco. Se nos aproximávamos, logo soava o alarme e tomávamos distância.Um dia… Tem sempre um dia em todas as histórias. Um dia Rebeca recebeu mais queijo no seu pão. E aquele foi o dia mais saboroso dos nossos encontros.
Assim que a entramos na UTI, reconhecemos os seus sinais de contentamento. O pão, dessa vez com uma fatia maior que a sua própria massa, fazia a menina degustar vagarosa e despreocupadamente cada mordida, que não foi interrompida apesar da nossa presença. Ao ver Rebeca finalmente desfrutando de sua refeição com um sorriso genuíno e sem preocupações com a nossa estranheza, percebi que uma fatia de queijo pode ser mais poderosa do que eu imaginava.
Foi aquele pão – e o tamanho daquela fatia de queijo dentro dele – que fez Rebeca permitir que a gente se aproximasse dela. Aquele queijo derreteu todas as nossas diferenças e a ameaça que parecia surgir entre nós, desapareceu. Aí foi uma festa só: a menina, o pão, o queijo, eu, a Dra. Baju e toda a equipe. Todos nós nos deliciamos com as mordidas e gargalhadas de Rebeca.
E assim, enquanto deixávamos a UTI, levávamos conosco não apenas a lembrança daquele encontro recheado, mas também a certeza de que, com um pouco de queijo e afeto, podemos transformar até mesmo os dias mais difíceis em celebrações de vida. Talvez essa seja a verdadeira receita para a plenitude: mais pão e mais queijo para todas as crianças.
Dr. Wago Ninguém (Wagner Montenegro) e Dra. Baju (Juliana de Almeida)