No primeiro dia de trabalho no hospital, eu e Dr. Micolino conhecemos Carlos. Sentado numa cadeira ao lado de sua cama, de banho tomado, cabelinho penteado para o lado, soro no braço e um sorriso que ia de orelha a orelha.
Entramos na enfermaria em que ele estava assim que recebemos a intimação de uma mensageira. “Carlos quer falar com vocês!”. Eu tive medo na hora. Pensei que tinha feito alguma coisa de errado e iria receber uma bronca. Para enviar uma mensageira, Carlos era certamente uma pessoa importante.
Resolvi disfarçar com o Dr. Micolino. Peguei o violão e quis fazer uma serenata que fizesse todo mundo dançar. Às vezes a pessoa passa tanto tempo no hospital que acaba tendo um “calypso nervoso” – que só cura com música boba. Mas o menino estava ali, no fim da enfermaria, no leito que ficava pertinho das doutoras médicas, sentadinho e sorrindo com os olhos. Nos chamou só com o olhar de criança astuciosa. Sentado de maneira imponente, não tivemos dúvidas: aquele era o Carlos.
Assim que chegamos perto, perguntei se ele estava passando bem porque recebemos a mensagem de que era para irmos visitá-lo com urgência. Dele não tivemos respostas. Carlos apenas olhava, quietinho, sorrindo sempre que via a gente se atrapalhando naquela consulta de urgência. Examinei com atenção todos os sintomas que ele apresentava, na tentativa de reconhecer algum sinal de “calypso nervoso”: faniquito agudo, pensamento inquieto, riso preso e pum frouxo. É que com um “calypso nervoso” a pessoa não para quieta. Mas Carlos continuava ali, quietinho.
Peguei meu violão e virei para ele:
– Carlos, acho que você está muito parado.
Quando essas palavras saíram da minha boca, sua mãe, atenta que só ela, respondeu:
– Ele não se mexe!
– Carlos, você está congelado? – perguntei.
Congelamento de “calypso nervoso” se resolve com progressão harmônica de ré menor, dó maior, sol menor e fá maior. Não tive dúvidas, apliquei o ultrassom ali mesmo:
“Não para, não
Vem cá, me dá a tua mão
Quero que sinta toda essa emoção
Cavalo Manco agora eu vou te ensinar
Isso e muito mais você só vai encontrar se num parar”
Enquanto o ultrassom ia saindo, o menino não parava de dançar com a cabeça, única parte do corpo que conseguia mexer e com maestria. E, nessa dança, botou todo mundo pra mexer o esqueleto naquela enfermaria: acompanhantes, médicas, enfermeiras, técnicas de enfermagem, fisioterapeutas e até as outras crianças.
E nós, que chegamos com medo do Carlos, saímos de lá felizes da vida com mais um amigo para encontrarmos entre corredores e ultrassons dos hospitais.
Dr. Wago Ninguém (Wagner Montenegro), Dr. Micolino (Marcelino Dias), Dra. Nana (Ana Flávia), Dra. MonaLisa (Greyce Braga), Dra. Muskyta (Olga Ferrario) e Dr. Gonda (Tiago Gondim)