Kaká é uma adolescente de Caruaru que está numa relação de vai-e-vem com o IMIP, hospital em que a dupla Dr. Marmelo e Dra. Nana atua como besteirologistas de plantão, às segundas e quartas. Se bem que, às vezes, o plantão muda para quartas e segundas.
O fato é que essa dupla já encontrou Kaká na UTI e em algumas enfermarias do 2º andar. Sem pestanejar, podemos dizer que TODAS as vezes que Marmelo e Nana encontram Kaká eles foram recebidos com um sorriso no rosto, um celular na mão para gravar o encontro e sua mãe ao lado, igualmente sorridente e disponível para a dupla de visitantes. Tem também um terço sempre presente nos seus pertences.
Um dia, a dupla estava atendendo Kaká de frente para seu leito e para suas gargalhadas, de costas para a porta, quando entrou um senhor de bata branca e os besteirologistas perguntaram quem era, ao que ele respondeu:
– Sou o padre!
– Ah, padre! Que bom lhe encontrar. Eu queria lhe pedir uma ajuda…
Falou Marmelo, sonhando com mais molho no macarrão. Esse é um pedido constante do Dr. Marmelo, sempre que encontrava alguém com a conexão mais direta com o divino. Mas antes mesmo do doutor continuar, o padre revelou:
– Só se for um pedido sério, não podemos misturar as coisas. Meu trabalho aqui é sério!
– O nosso também! – responderam Nana e Marmelo em coro.
Sem muita credibilidade diante do missionário, ele pediu que saíssemos para que ele falasse com Kaká.
– Mas a gente chegou primeiro! – retrucou divertidamente Dra. Nana. Se o senhor quiser, pode esperar nosso atendimento acabar aqui dentro ou lá fora, fique à vontade.
O procedimento besteirológico foi concluído e nos despedimos de Kaká com as recomendações da semana: contar as gotas do soro, dividir pela quantidade de aparições das enfermeiras, subtrair os curativos e multiplicar pelos médicos. Precisamos do resultado no próximo encontro.
O padre estava esperando que a dupla saísse para que entrasse na enfermaria que abrigava Kaká. Os três se cruzaram no pequeno corredor sem cumprimentos, como crianças brigadas, e só.
Momento como esse trazem muitas questões à tona na cabeça do palhaço e da palhaça: hospital é sim local possível para a atuação de artistas e nós, Doutores da Alegria, realizamos nosso trabalho com afinco há mais de 30 anos em diversos hospitais do Brasil.
Além dos inúmeros grupos de artistas ou ações individuais que trazem seu trabalho para os ambientes hospitalares a fim de garantir o mínimo de arte para as pessoas internadas, acompanhantes e equipe multidisciplinar do hospital.
É preciso garantir o espaço próprio para cada uma das ações que acontecem no hospital. Se há um procedimento sendo feito, não se pode interromper, se há uma brincadeira sendo feita, não há motivo para interrompê-la ou sobrepor sua ação, caso não seja nada urgente.
E nos momentos de intersecção? O encontro com um palhaço ou palhaça nunca será à toa, pois eles são seres com trânsito livre na imaginação e nos sentimentos seus e das pessoas com quem se relacionam. Há de se deixar levar pela criança que guia cada ser.
Dr. Marmelo (Marcelo Oliveira) Dr. Nana (Ana Flávia)