2021 foi desafiador para todas as organizações da sociedade civil. Depois de um ano que contou com elevado engajamento de empresas e pessoas no enfrentamento dos danos da pandemia, principalmente em hospitais públicos, a motivação baixou.
Seja pelo cenário de incertezas, pelo aprofundamento da crise sanitária ou pelo esgotamento de recursos, 2021 veio com um aperto na garganta. O Brasil se tornava um país com mais pessoas em vulnerabilidade social, assombrado por fome, inflação, evasão escolar e endividamento das famílias, entre outras mazelas.
Para Doutores da Alegria, foi um capítulo nebuloso. Como organização que busca o direito à cultura, tendo a lei federal de incentivo como principal financiadora, lidamos com a insegurança jurídica de não ter recursos liberados para realização das nossas atividades.
O momento era de fragilidade na saúde mental de profissionais de saúde. De pacientes lotando hospitais após o contingenciamento de tratamentos e cirurgias na pandemia. De artistas sufocados com o desmonte cultural em permanente ação no país. Nossas ações não podiam esperar a morosidade excessiva na análise e aprovação dos projetos, mesmo a lei estabelecendo prazos rigorosos.
Para não interromper as atividades e honrar compromissos, recorremos ao fundo de reserva construído durante quinze anos para situações emergenciais. Também colocamos na rua a campanha “Você já imaginou o hospital sem Doutores da Alegria?” para engajar a opinião pública e buscamos editais municipais e estaduais, que abriram espaços de fomento.
Enquanto isso, lidamos com a angústia de trabalhadores que sabiam que essa situação só se sustentaria até agosto, quando teríamos que rescindir contratos das equipes. Eram 80 empregos diretos e 320 indiretos que a associação movimentava na economia da cultura.
Foram quase sete meses à espera da liberação dos recursos já mobilizados por empresas que apoiam a causa e destinam parte do seu imposto de renda para Doutores da Alegria.
Essencializamos e improvisamos. Dialogamos com grupos semelhantes –que sofrem ainda mais com a precariedade do setor–, com empresas parceiras e com órgãos de cultura. Ainda assim, foi uma travessia solitária, repleta de decisões a sangue frio.
Em meados de julho, enfim, o projeto para 2021 foi aprovado. Os recursos chegaram no dia 20. Foi possível restabelecer o fundo de reserva e reembolsar a organização pelas despesas realizadas no período.
A dois meses de celebrar os 30 anos de Doutores da Alegria, a diretoria pôde respirar, sabendo que deu conta de acolher e orientar a equipe em um momento adverso para todos. Resiliência, sabedoria e confiança nesta causa guiaram nossas intenções.
Em novembro, uma imersão avaliativa, mediada pela consultora Regina Leite, nos conectou para ver como avançamos e o que precisaria ser reformulado na diretoria. Elencamos potências e fragilidades deste coletivo, com um plano de melhoria desenhado para fortalecer o modelo de governança.
Naquele mesmo mês, o plano anual para 2022 foi arquivado pela Secretaria Especial de Cultura. O novo decreto 10.755 limita, de maneira taxativa, a inscrição de planos anuais apenas para museus públicos, patrimônio imaterial e ações formativas de cultura. Temos à vista mais um capítulo duro, dada a complexidade de adequar o projeto à nova realidade no âmbito federal e um país que ainda patina economicamente.
Ainda assim, apoiados na extensa bagagem e na esperança contínua semeada nesses 30 anos, acreditamos na conscientização da relevância da arte e da cultura na vida das pessoas. E em dispositivos públicos que possam incentivar organizações da sociedade civil que levantem essa bandeira.
Autores – Diretoria da Associação Doutores da Alegria
Daiane Carina – Diretora de Relações Institucionais; Lourdes Atiê – Diretora de Formação; Luis Vieira da Rocha – Diretor-Presidente, Ronaldo Aguiar – Diretor Artístico e Simone Pimentel Ribeiro – Diretora Financeira