No primeiro encontro com a I., ainda na UTI, ela não deu muita conversa para os besteirologistas e foi logo fechando os olhos, fingindo que dormia.
Mantivemos certa distância e, embora conectados com ela, foi assim que percebemos que tudo não passava de um disfarce, na verdade ela apenas queria nos contemplar. Entre as brechinhas de seus dedos, ela nos espiava e acompanhava toda a movimentação que fazíamos dentro da UTI.
Em outra visita, encontramos a menina em uma das enfermarias. Apesar de ser outro ambiente, ela continuou mantendo o jogo, e como no nosso caso quem comanda é a criança, respeitamos o jogo estabelecido por ela. Continuamos a encontrá-la e ela continuou a “dormir”, mesmo que quase sempre tenha um sorriso no canto da boca.
– Ué, e a gente dorme sorrindo?
Como médicos são sempre desconfiados, e no caso de besteirologistas ainda somos também curiosos, resolvemos nos certificar e perguntar à própria I. se ela estava dormindo, no que prontamente ela respondeu:
– Tô dormindo, sim!
Uma pergunta foi pouco, era preciso checar a informação.
– Então não está acordada?
E veio a preciosa resposta que selou o diagnóstico:
– Tô acordada, não!
Estava então tudo esclarecido! A I., ao nos ver, prefere dormir e sonhar com os besteirologistas. Pelo menos foi o diagnóstico mais simpático a que chegamos. Para nós! No encontro entre um palhaço e uma criança é isso que importa, o respeito mútuo, a confiança e a certeza de que podemos ir até onde o jogo permitir. O “não” de uma criança muitas vezes significa um “sim” e de não em não, de sim em sim, vamos atendendo cada uma delas conforme as regras do jogo.
Já com as mães, o “fingir” que está dormindo ou dançar e até rebolar quando tocamos uma música faz com que se abra um portal de alegria nas enfermarias. Para a criança, se a mãe se diverte ela também se diverte, e se uma enfermeira se diverte, nossa!, a criança rola de rir na cama. E imaginem quando um médico se diverte! Para a criança isso tudo é muito incrível, e para nós, tirar partido disso é mais do que uma simples diversão, é estreitar as relações dentro do hospital e falar de igual pra igual, todos em prol da mesma causa, que é tornar aqueles dias de internamento da criança mais leves e até divertidos.
Dra Mary En e Dr. Micolino (Enne Marx e Marcelino Dias)
Hospital da Restauração – Recife