Chegamos na UTI eu e Dr. Chabilson. No último leito do Hospital do Mandaqui encontramos o Marcelo, de 11 anos. Ele estava deitado, seu corpo conectado com vários fios, seus olhos cobertos com gases. E em sua boca havia um canudo gigante. Seria ótimo se o canudo estivesse dentro de um copo gigante de suco de melancia, mas não.
A médica contou que Marcelo estava em coma, entubado, por conta de uma infecção pós cirúrgica do apêndice. Ao seu lado, a mãe, olhos marejados, buscando o infinito com seu olhar triste. Nos aproximamos calmamente e perguntamos se podíamos tocar uma música para ele. A mãe disse que ele não estava ouvindo. Eu avisei que, conforme o estudo da Ciência e da Besteirologia, o ouvido continua funcionando.
Ela abriu um pequeno sorriso de meio centímetro e permitiu que tocássemos para Marcelo.
Toquei o cavaco, Chabilson o chocalho e, ao ritmo do samba, começamos a cantar:
– Bom dia Marcelo! Aqui quem fala é o Cavaco e o Chabilson. Hoje o céu está azul, o sol está brilhando, o Corinthians perdeu o jogo de ontem, meu cabelo não está muito bom, amanhã será terça…
Assim fomos passando informações importantíssimas para o menino. Depois de cantar, nos despedimos dizendo que iríamos voltar na quarta-feira para bater mais um papo. Nos despedimos de sua mãe, cujo sorriso já estava mais aberto, totalizando quase um centímetro a mais.
Retornamos e a médica, com um sorriso de três centímetros, nos contou que Marcelo havia despertado. Fomos até seu leito e lá estava ele: olhos abertos, sem o canudo gigante em sua boca, um pouco sonolento. Quando nos viu, logo abriu um sorriso. Então eu disse:
– Oi, Marcelo, que bom que está melhor. Você lembra de nós?
– Lembro sim!
A mãe dele, a médica e a enfermeira ficaram impressionadas. A mãe, desconfiada, perguntou novamente:
– Lembra mesmo, filho?
E ele, com toda convicção, disse que sim. Então continuei:
– Lembra que conversamos, Marcelo?
– Sim!
– Lembra que eu falei que o Corinthians perdeu?
– Sim!
– Lembra que tocamos uma música?
– Sim!
– Que bom, Marcelo, eu sabia que você estava aqui o tempo todo! Ainda bem que não costumamos falar mal de ninguém pois se tivéssemos você também se lembraria!
Olhei para o lado e todos estavam sorrindo surpresos com as lembranças de Marcelo. O sorriso de sua mãe já estava com 10 centímetros. Seu olhar, cheio de vida e alegria. O filho estava bem melhor. Conversamos mais um tempo, fizemos exames besteirológicos, palhaçadas e tivemos que ir embora, pois Marcelo não podia rir muito por conta dos pontos da cirurgia. O sorriso já estava de bom tamanho!
Nos despedimos e dissemos que voltaríamos na próxima semana e não queríamos encontrá-lo lá. Que era melhor ele ir pra casa, brincar com os amigos da escola e ficar com sua família. Na semana seguinte, Marcelo havia recebido a alta.
Ficamos contentes com a notícia e comemoramos junto com a equipe. Assim, fomos do coma à comemoração, do zero aos cinco centímetros de sorriso. E continuamos seguindo de um leito para o outro em busca de mais comemorações, altas, alegrias e sorrisos mais largos.
* o nome do paciente foi alterado para preservar sua identidade