Quem acha que um besteirologista vive apenas de bobagens está completamente certo.
No entanto, gostaríamos de esclarecer que as bobagens assumem coloridos diversos. Para cada quarto que visitamos, para cada momento, tem uma bobagem diferente, com intensidades e texturas diferentes. Apresentamos três das bobagens mais usuais que transcorrem no dia a dia da Besteirologia!
Da bobagem da delicadeza
Para falar da delicadeza temos que falar de nossa querida S., uma garotinha que de cara já nos encantou. No entanto, no início, ela ficava meio desconfiada. Fomos aos poucos deixando que os encontros fossem aprimorando esse contato e ganhamos a sua confiança.
E foi aí que lembramos um dos mandamentos da Besteirologia: os limites precisam ser respeitados. Descobrimos que a S. não gosta de movimentos bruscos ou de sons altos, tudo com ela tem que ser delicado, como quando cantamos para um bebê, mas sem querer acordá-lo. E depois da sua primeira reação, percebemos que o menos pode ser muito. Para a S., música baixa e movimentos tranquilos. É assim que ela gosta. E assim deve ser. Em caso de dúvida, vide bula e siga as prescrições com a dosagem correta para um belo encontro.
Da bobagem da surpresa
Surpresas boas sempre são bem vindas, e aquelas que nos pegam de surpresa são sempre surpreendentes. E foi assim mesmo, uma surpresa surpreendente, quando estávamos na UTI cantando para a pequena G., como sempre fazemos. E sempre acreditando que de alguma forma aquela música possa chegar até ela, e, sabe-se lá de que forma, possa fazer alguma diferença naquele mundo tão particular em que ela se encontra, cercada de máquinas, entre remédios e procedimentos médicos.
Mas como tudo pode acontecer, inclusive nada, nesse dia a G. fez um pequeno movimento e esboçou alguns gestos que pareceram se encaixar perfeitamente no compasso da música que tocávamos. Foi verdadeiramente contagiante não apenas para nós, mas também para os profissionais de plantão que, junto conosco, resolveram participar do baile que ali se anunciava. Um pequeno exemplo de que quando nada parece fazer efeito, insista na posologia, que uma hora ou outra o retorno aparece.
Da bobagem da saudade
Talvez possa parecer estranha essa associação entre bobagem e saudade. Mas, de fato, em nossas visitas acabamos desenvolvendo uma relação com os pacientes, já que alguns vão e nunca voltam, e outros passam tanto tempo conosco que os vemos crescer e se tornar quase adultos. E assim vamos transitando entre idas e vindas, com alguns rostos que se tornam tão familiares quanto nosso próprio reflexo ante o espelho.
Até que chega o dia em que a tão esperada alta médica chega, e aí bate um misto entre a alegria da superação, da volta pra casa, e a saudade boba daquele se foi. E muitos inclusive vão pra bem longe, fato muito comum no Procape, que recebe pacientes de vários estados. Nesse mês tivemos que nos despedir do J., que depois de três meses, e de um jeito tímido de nos receber, finalmente teve sua alta, e assim deixou dois besteirologistas bobos de saudade. Nesse caso, a indicação é simples: bobagem pouca é besteira.
Basta olharmos em volta de nós mesmos para percebermos que tem muitas delicadezas, surpresas e muitas outras saudades por vir. Por isso continuaremos bobos, inclusive de saudades de cada um que passou por nossos atendimentos besteirológicos.
Dra. Tan Tan e Dr. Micolino (Tâmara Floriano e Marcelino Dias)
Hospital Oswaldo Cruz/Procape – Recife