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Doutores da Alegria
As palavras nesse texto não são novidade para os palhaços, meus companheiros de jornada.
Quem conta a história sou eu, Enne Marx. Integro o elenco dos Doutores da Alegria e percorro hospitais do Recife há muito, muito tempo. Escrevo aqui de cara limpa, sem a máscara do palhaço, sobre algo que me emocionou.
A L. é uma menina de mais ou menos seis anos, paciente há alguns meses no Imip. Em um dos nossos encontros, eu e Baju percebemos que ela estava desestimulada. Deixei meu boneco, o “Mané Gostoso”, com ela. Na outra visita L. tinha tido alta e foi para sua casa, no interior do Recife.
Em seu retorno ao hospital, nos encontramos e perguntei pelo brinquedo.
– Ele não quis vir para o hospital, disse ela.
No final de agosto, eu e Svenza, outra besteirologista, entramos em seu quarto e demos de cara com mãe, pai e tia. Todos muito tristes. A menina estava com o respirador, gemendo, e seu olhar quase sem vida. Nosso primeiro intuito foi tocar uma música, uma que ela gosta muito, e cantamos baixinho. Mas a vontade de ficar era grande e cantamos mais uma.
Segurei a sua mãozinha pequena e acariciei bastante. Tínhamos que ir pra atender às outras crianças da UTI. Quando saí de perto da cama, sua mãe pegou a mãozinha que eu havia soltado. Achei esse gesto muito forte e tocante, era como se a palhaça tivesse mostrado a humanidade por trás da máscara.
No corredor encontramos a enfermeira que nos confirmou o que estava claro:
– Ela está indo embora.
Nos olhamos e respiramos fundo por um momento. Criamos coragem pra seguir.
Depois que atendemos os outros quartos, falei pra Svenza que meu coração estava pedindo pra voltar lá. Dizem que devemos sempre seguir a nossa intuição e foi o que fiz, sem medo. Entramos no quarto.
– Nós voltamos porque queríamos dar um abraço em vocês.
Abraçamos cada um. O choro foi maior, como se eles estivessem tendo uma catarse libertadora de emoções. Olhei pra Svenza e, mesmo que evitemos fazer isso, ela também chorava. Lembrei do quão paradoxo é um palhaço se por a chorar e do quanto a imagem pode ser forte, afinal por trás da máscara existe um ser humano.
Mas aquele momento foi único, o tempo pareceu parar. A menina continuava respirando muito mal, mas parara de gemer por uns instantes. Percebíamos que seu olhar já não estava tão claro pra ela, ele ia e voltava, os olhos fechavam e abriam. Toquei novamente a sua mão.
Da minha boca saíam palavras que nunca imaginei dizer estando com o nariz de palhaço, mas saíram livres de qualquer julgamento. Trocamos palavras repletas de bons desejos e agradecimentos pela vida.
Ficamos todos muito emocionados com a sua bravura. Uma pequena criaturinha que estava dizendo adeus. Em um minuto, como num filme, lembrei de suas risadas, de sua marotagem e permaneci ali aprendendo com a morte…
Finalmente saímos e deixamos L. e sua família de cara com o inevitável.
Saímos embargadas, respirando fundo. Precisamos de um tempo para nos recompor e trazer alegria para os nossos olhos e corpo, pois ainda tínhamos dois andares a atender.
Na próxima visita soubemos que ela tinha partido naquele mesmo dia.
Com amor,
Enne Marx.
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Amo e respeito muito o trabalho de vocês, continuem sempre!
É muito lindo o que vcs fazem, Deus abençoe sempre, sempre vcs
Nossa…aqui chorando só de ler! estudo para atuar na área da saúde, mas também preciso trabalhar meu emocional porque com certeza, passaria os plantões aos prantos.
Chorando e lendo, pois me lembro dos últimos momentos da Gabi e quanto ela amava os doutores da alegria. Um dia chegou a chorar pois eles já haviam ido e tive que descer as escadas corendo e pedir para voltarem e ficar só mais um pouquinho.
É realmente emocionante histórias assim, como as crianças tem a nos ensinar, e incrivelmente, como a morte tem a nos ensinar. Fiz parte durante muitos anos de um grupo em Franca/SP, Andarilhos da Luz, que faz um trabalho com a mesma essência da de vcs. E também tive uma experiência assim. E lendo seu relato, foi impossível não lembrar daquela linda menininha que tanto me ensinou e me marcou. Obrigada!