Todos os seres humanos são formados por células. Todos nós temos em torno de dez trilhões de células e, dentro delas, estão os cromossomos, que carregam toda a nossa informação genética, como cor dos olhos, formato do nariz, altura e muitas outras. Por isso mesmo, resolvi tirar o “R” que só atrapalha a dicção e batizar essa parte quase invisível de comossomos.
Viu só? Dá até um alívio falar assim.
Pois bem, a maioria de nós carrega 46 desses negocinhos. Algumas pessoas têm um up, uma pitada a mais de amor, e chegam à marca de 47 lindos comossomos. Ouvi falar de características que essas pessoas carregam: uma linha contínua nas mãos, olhos puxados, orelhas pequenas e outras marcas que podem dizer que ali tem comossomos além da conta.
Mas nenhum diagnóstico é preciso para informar as marcas que essas pessoas deixam em nós.
Kel estava no Hospital da Restauração desde a nossa primeira visita neste ano. Sempre disponível para a felicidade, com uma comunicação simples, nos diz sempre: “Vamos lá!”. Ao contrário do que diz para a mãe quando reclama com ela, levantando sua pequena mão e sussurrando um “pare!” bem rápido, como um semáforo que pulou a luz amarela.
Também é da natureza dos donos e donas do 47º portador de características a constante novidade. É como se tudo fosse recém-nascido. Portanto, quando nós entrávamos na enfermaria, era sempre uma novidade para nós e para Kel. Sabe, como se a gente tivesse sido parido naquele instante e ela estivesse ali para nos receber. Em seu mundo particular e com um sorriso estampado no rosto.
E foi na dança que nos encontramos.
Kel sentada, deitada ou de pé solta o corpo e se joga e assim, visita após visita, nos encanta com a sinceridade dos seus sinais. Já vimos a Kel de malas prontas para ir embora e já tivemos a honra de vê-la chegando com um vestido estampado de primavera, confiando em nós pra fazer um ultrassom besteirológico maneiro para que ela pudesse balançar seu corpinho.
A imprevisibilidade é da natureza do nosso trabalho, mas quando nos deparamos com esses novos mundos e suas particularidades, a gente vai chegando, desbravando e amando as descobertas. E eu tenho certeza: a Biologia deve ter uma explicação, deve ter algum estudo que mostre a evolução dos comossomos depois de ver e viver com Kel, porque ninguém sai de perto dela do mesmo jeito que chegou.
Luciano Pontes (Dr. Lui) escreve em colaboração com Ana Flávia (Dra. Nana).