Sempre convivi com o medo. E quando digo convivi, é conviver mesmo! É dividir o quarto, a cama, a piscina, a bicicleta…
Tinha muito medo de sangue e, de quebra, meu irmão que é colado em mim vivia levando as quedas mais feias. Aí era sangue! Eu começava a andar sem parar quando eu via o sangue, seeeeeem parar.
Teve uma queda dele que ele perdeu uns dentes, foi tanto sangue que eu cheguei em São Paulo de tanto que andei. Brincadeirinha, né, gente?!
Tinha medo de escuro e vivia batendo na porta dos meus pais pra dividir uma beiradinha da cama deles e fugir dos monstros da cortina do meu quarto. Acho que tinha medo do silêncio e da solidão também, porque vivia falando só.
Até desenvolvi uma habilidade de contar segredos pra mim mesma. Às vezes, era difícil guardar meus segredos, porque fica dando aquela coceirinha de querer falar, aí eu acabava contando pra mim mesma também e depois brigava comigo mesma também pelo meu bocão.
Tinha medo de barata, medo de ler em público, mas acho que os meus dois maiores medos eram: do desconhecido e do hospital.
E quando começou esse negócio de ter medo? A origem se esconde no mistério, tem gente que diz que ele sempre existiu. Será que meus ancestrais se assustavam com um trovão? Será que quando se encantaram pelo fogo, ainda nas cavernas, no mesmo momento se tremeram de medo da própria sombra?
O medo, esse que habita os recantos da mente, faz o coração bater incerto, descompassado e o corpo gelar, tem caminhado longas datas com a gente.
Mas teve um dia que eu conheci um antídoto, me deram de mão beijada, assim, na minha mão. E quando levava ele ao meu rosto, MÁGICA: o medo sumia.
O tempo que eu passava sob o efeito desse antídoto era como uma super-heroína, tudo podia. Em todo canto chegava e o medo longe, bem longe com a trouxa nas costas, ia procurando outra casa pra se abrigar, bem longe de mim. Esse antídoto tinha só um efeito colateral: o riso.
Eu descobri a menor máscara do mundo, o nariz de palhaço! Esse nariz me levava a um sentimento de amor tão grande que não tinha espaço pro danadinho do medo.
Ele até tentava, bichinho, rastejava por debaixo da porta querendo entrar, fazia uma bagunça danada pra se espremer pela fresta e entrar, mas nem adiantava! O amor tava ali tão grande, tão cheio de si, cheio de amigo, amiga, que ninguém queria convidar o tal do medo.
Teve um dia que isso mudou, eu tava sob o efeito do antídoto, protegida com a menor máscara do mundo quando ouvi a palavra hospital. Eu seria palhaça num hospital. Aí, nesse dia, me tremi de medo!
E o medo se aproveitou, quem riu foi o medo, bem espaçoso na sala do meu peito enquanto eu ficava encolhida num cantinho tentando entender o que tava se passando – e ele a dizer o quanto esperou por esse momento.
Esse conflito entre a gente não durou muito, a gente aprendeu até a andar juntos, amor e medo; numa dança às vezes lenta, às vezes no maior rock´n roll, às vezes recalculando a rota, às vezes correndo às cegas. O hospital se tornou a nossa casa, onde a gente se olhava nos olhos e ia com medo e amor, tudo junto e misturado.
Mas aí teve um dia também que vi o medo fora de mim. Eu tava lá, vestida com meu antídoto de palhaça, com minha dupla no Hospital da Restauração, e vi o tal do medo aparecer. Não em mim, mas nos olhos de uma criança.
Já outro dia ele tava nos olhos de uma mãe, outro dia de uma avó, um bebê… Sim, porque tem disso também! Eu achei que o antídoto dava só riso, mas em alguns corpos ele dá medo também.
E aí você vê ele aparecer de vários jeitos: algumas pessoas paralisam, outras vão ficando toda vermelha e, antes de virar um tomate, você tem que sumir. Tem umas que até alarmam e começam a dar defeito no encanamento, ficam gotejando sem parar, algumas até gritam.
E a gente? Ah, temos várias estratégias: sair do campo de visão, capa da invisibilidade mesmo, ou, se for possível, ficar beeeem longe tentando alguma ou nenhuma interação. Fazer amizade com a mãe primeiro, com a criança do lado e por aí vai.
Deram até um nome pra quem tem medo da gente, chama “coulrofobia”. O medo ele nos mostra nossa vulnerabilidade, o palhaço também, o medo nos ensina o amor como antídoto, o palhaço também.
Assim como as tempestades formam o arco-íris, depois que passa, o silêncio torna a música mais bonita. O medo nos ensina a apreciar o amor, os momentos de coragem e alegria.
Dra. Muskyta (Olga Ferrario), Dr. Micolino (Marcelino Dias), Dr. Wago Ninguém (Wagner Montenegro), Dr. Gonda (Tiago Gondim) e Dra. MonaLisa (Greyce Braga)