26 de setembro, dia de Cosme e Damião, ela e seus parceiros se preparavam para mais um dia de trabalho de palhaçaria no hospital. Andando pelos corredores da enfermaria pediátrica, ela refletia sobre os sons, cheiros, imagens, texturas e até mesmo a geografia daquele espaço-tempo-templo.
Local de chegadas e partidas, espaço fronteiriço, limítrofe, espelho social, abrigo de tantas emoções latentes. Trabalhar ali era atuar no front, contudo, sua palhaça Faísca e a presença de seus parceiros palhaços, De Dérson e palhaço EuLindo, a ajudavam a caminhar por esse espaço sem ruir.
Nesse transitar por vezes se encontrava envolta em encontros genuinamente felizes, instantes de tamanha pulsão de vida que chegava de fato a se esquecer da fragilidade do corpo, ali, brutalmente escancarada. Por outras vezes, seguia perplexa diante da imagem dura de um pequeno corpo comprometido, em queda.
A cada quarto, a cada curva, pequenas mãos alistadas para um grande combate – o quão hostil pode ser uma boas-vindas? Tudo ali lhe soava de uma falta de propósito devastadora, mas, felizmente, carregava duas crenças fundamentais: O riso e o afeto.
Afeto, substantivo masculino que, segundo o dicionário, quer dizer: “sentimento de afeição ou inclinação por alguém; amizade, paixão, simpatia, ligação carinhosa a alguém ou algo, querença”.
O dia seguia normal para eles, os tontos profissionais, com muitos tropeços, risadas, choros, músicas, bobagens e brincadeiras diversas. Então, a dupla chega ao Tucca, ala oncológica, pico de grande tensão, local de total colapso das células humanas.
Porém, nesse dia havia algo especial por ali. Logo na entrada, avistava-se uma mãe e sua filha de 6 anos, já suas conhecidas. A mãe, figura peculiar, gritava e gesticulava enquanto manobrava o carro que, com fita crepe, dizia: Última quimioterapia.
A mãe e sua filha, já fora do carro, carregavam tamanho êxtase que em volta se formara uma grande plateia. Acompanhantes, pacientes, profissionais de saúde e eles, claro, o trio de palhaços.
Todos ali, cúmplices de uma mesma festa. No auge da situação, a mãe ergue um artefato de fogos de artifício e diz: essa é a comemoração de todos nós um dia! A menina pula e sorri sem parar.
Minutos depois, os estalos sonoros e as pequenas luzinhas vermelhas invadem o céu azul. Sorrisos, abraços e muitos aplausos se seguem. Ela, que além de palhaça também é mãe, se vê afetada por aquele evento – A emoção é um sentimento que brota, invade, inunda, escorre, até mesmo, sob um nariz vermelho.
Após o expediente, já de volta ao seu corpo nada extraordinário, ela resolve comprar uma porção de balas na lanchonete da esquina e volta pra casa cantarolando, ainda sob efeito entorpecente daquela alegria compartilhada. E, assim, ali estava ela celebrando, ao seu modo, aquele doce dia de Cosme e Damião!