A primeira vez que a vimos foi em uma segunda-feira. Ela estava sentada na cama, calada, oscilando abruptamente de um lado para o outro.
“Surto psicótico”, nos disse a enfermeira durante nossa coleta de informações sobre o estado de cada paciente, antes de começarmos o dia de trabalho. Quando voltamos, mais tarde, já como palhaços, a imagem da menina era a mesma: uma severa desconexão com a realidade embalada pelo desassossego de seu estado psíquico e pelos remédios que tentavam aquietar tal estado. Nossa experiência em Pediatria – e mesmo em alas psiquiátricas junto a outros projetos artísticos – não nos imuniza nunca da angústia de tais situações.
Ao lado da menina estava sua mãe, visivelmente habituada com a ocorrência frequente dos surtos na filha de 12 anos. E talvez fosse justamente essa frequência que justapunha nela aquela contraditória aparência de resignação e tormento.
Tentamos algum contato, infrutífero, com a menina, mas timidamente correspondido pela mãe. A mulher, em um determinado momento, nos solicitou para uma foto. Um mal disfarçado pudor de nossa parte revelou um instante de incerteza. A menina iria aparecer na foto junto com a gente? Ou, por instinto de salvaguarda, ela estaria ausente da foto para ser, em um futuro momento de melhora, apenas a espectadora da imagem dos palhaços que um dia vieram visitá-la?
A mãe, sem expressar palavra alguma, após tirar o retrato só dos palhaços, nos fez entender que não vinha inconveniente em que a filha, mesmo em estado de transtorno, protagonizasse algumas fotos ao nosso lado. Tacitamente autorizados, fizemos uma série de poses, em diversas configurações.
A mãe, sabiamente, saberia escolher o que mostrar para a menina no futuro.
Dois dias depois, voltamos àquele mesmo lugar. Uma outra menina de 12 anos ocupava aquela mesma cama.
Ao ver nossa aproximação, ela interrompe o desenho que está fazendo em uma folha avulsa e nos cumprimenta com uma voz tranquila.
– Oi.
– Oi. A gente pode ver o que você tá desenhando?
A menina vira a folha em nossa direção e revela um magnífico cavalo, completamente realista, não fosse a crina e o rabo flamejantes.
– Ele tem nome, esse cavalo?
– Não, eu não dei nenhum nome pra ele.
– Mostra seu caderno pra eles, pede a mãe à filha.
A menina se levanta calmamente para pegar o caderno na mesinha ao lado da cama. Ela volta a se sentar, abre o caderno e nos mostra, folha por folha, uma série de cavalos, todos com especial atenção à cabeleira da cabeça e do rabo.
– Caramba, que lindos. Você desenhou olhando um modelo ou olhando sua imaginação?
– Minha imaginação.
E então a menina para um instante, como se realmente olhasse pra dentro de si e diz:
– Eu vi a foto.
Sabíamos que ela não se referia a nenhuma suposta foto de cavalo que lhe teria servido de inspiração.
– Minha mãe me mostrou a foto com vocês, não é mãe?
A mãe, sem expressar palavra alguma, nos fez entender que a filha, agora uma “outra menina”, em melhor estado do que o da segunda-feira, se conectava muito bem com a realidade à sua volta.
Não sabemos se a menina aparecia ao nosso lado na foto escolhida. Mas, de qualquer modo, a garota pareceu perceber que, durante suas “ausências”, alguém, acreditando em seu futuro, se preocupava em lhe retratar o presente.
Mesmo que esse presente fosse uma mera fotografia com palhaços.