Há quem pense que nosso discurso nos define. A palavra é muito superestimada na comunicação. Acredita-se, na maioria das vezes, que pra se resolver um problema basta abrir o verbo e discuti-lo. Mas o que vem antes da comunicação verbal. De onde ela sai? A palavra seria mais precisa do que o corpo? Os bebês nos ensinam muito sobre a comunicação. Muito mais do que qualquer professor de português.
Os bebês têm formas sutis de se comunicar e qualquer pequena mudança de gesto é uma letra do seu alfabeto. Cada bebê no hospital é a descoberta de uma nova linguagem, uma nova etnia. Seria preciso passar um tempo ali pra falar sua língua. Às vezes, descobrimos rápido qual é o acesso que nos permitirá fluir com aquele ou outro bebê. Mas, às vezes, o momento não ajuda muito (sedação, momento de dor intensa, agulhas por perto, fome, manha ou só medo mesmo).
As primeiras vezes que visitamos Ka ele estava dormindo. Nesse caso, nos aproximamos através da sua tradutora mór, a mãe. Um dia o visitamos e ele estava acordado com sua mãe lá. A música é normalmente nosso acesso mais comum com bebês, mas não é tão fácil assim… “chega lá e toca”. Qual música escolher? Música é frequência e vibração. Qual a frequência de Ka? Não achamos de primeira.
Algumas visitas seguiram, nas quais encontramos momentos muito justos e outros nem tanto: em um, a música o agitou; em outra, o fez dormir, mas o olhar dele estava sempre acompanhando o som. Em uma das visitas com ele acordado, dessa vez sua mãe não estava, foi especial. “Já foi lá ver meu filho?” fala carinhosamente uma das enfermeiras (é assim que elas chamam os pacientes de que cuidam e nós achamos isso muito fofo).
Quando chegamos no leito de Ka, ele estava sentadinho e com amarrações em algumas partes do corpo para não cair e nem retirar o acesso venoso. Dr. Totó nos apresenta falando nossos nomes em forma de canção, usando a melodia e ritmo de “Marinheiro Só”. O pé de Ka começa a balançar no ritmo e seus olhos se iluminam. Achamos um acesso!
Na intervenção seguinte não pudemos entrar na UTI. Ka teve duas paradas cardíacas. Ai nosso coração! Muita tensão. Passamos o final de semana inteiro sem saber como a situação havia ficado. Terça chegamos no Getulinho e soubemos que estava tudo bem (ufa!). Entramos na UTI e a expectativa era alta para que visitássemos a Ka (2 paradas cardíacas não é pouca coisa).
Deixamos ele por último, visto que era uma situação delicada para nós, para ele e acredito que para todos ali. Realmente não lido bem com expectativas. Coloco a atenção no suco que estou servindo e pronto, derramo tudo na toalha. Nesse dia a UTI inteira estava acompanhando o atendimento e isso pode gerar não só uma ansiedade em nós (em mim kkkk), mas também na criança.
Para nossa surpresa, foi uma experiência compartilhada de alívio, festa e afeto. Ka não mexeu apenas o seu pequeno pé ao som da música, vibrou toda a coluninha e ficou extremamente eufórico quando a música animou (nos olhamos preocupados, “será que ele pode agitar assim?”), mas estávamos sendo assistidos pela equipe de saúde, que ao contrário de ansiedade, nos deu muita calma e apoio.
Foi nosso “coro” naquele dia. A equipe cantou conosco, fez coreografia e até um coro de vacas, quer dizer de “Muuuuuuu!!!” jogando os braços pra cima na música Vaca Lola, fazendo Ka jogar os braços pra cima também.
Sou muito grata por poder contar com a parceria de todos e poder compartilhar esse momento de festa que não precisou de discurso, apenas de música e dança.