Em um dos quartos do Instituto da Criança eu e Dr. Chabilson conhecemos A., 14 anos, sentada na cama, desenhando e ouvindo música com seus fones de ouvido, e T., 5 anos, em seu berço olhando para TV.
Quando o pequeno T. nos viu, começou a gargalhar, revelando os quatro dentes da frente. Foi impossível não rir também. Ele ficou eufórico, dançando sentado e apontando para o meu cavaquinho.
– Toca, toca!, pedia ele. Cantamos e dançamos com T.
Ao lado, de seu leito, a menina olhou a bagunça e voltou a desenhar. Fomos nos aproximando lentamente, cantando, e incluímos o seu nome na música a fim de estabelecer uma relação.
– Oi , A., olha que bom! É sua vez de receber um ultrassom! Você sentada, na sua cama, fica tão linda, usando esse pijama…
A menina seguia indiferente, enquanto T. ria. Tentamos mais uns dois versos, dançamos e, mesmo assim, ela não interagia. A princípio respeitamos o espaço e não forçamos a relação. Suspeitei que ela não estivesse bem e não quisesse nos ouvir, pois não tirou os fones de ouvido.
Em casos como esse, chego a me sentir sem graça. É difícil por dentro. Mas entendo que o ambiente hospitalar pode ser muito pesado por conta do tratamento e é importante respeitar o momento de cada um. Quando estávamos de saída, a mãe da menina chegou.
Mãe e filha conversavam através de libras – a língua brasileira de sinais – e tudo fez sentido.
Era uma questão de comunicação! Logo depois da descoberta começamos uma interação, sem palavras, utilizando o lápis colorido em sua mão como varinha mágica, nos transformando em bichos, tremeliques, etc.
A menina foi rindo e se empolgando e chegou a levantar da cama andando atrás de nós, querendo nos enfeitiçar com seu lápis mágico. Depois de muita bagunça reparamos que ela ainda estava com fones de ouvido. Curioso pelo fato de uma deficiente auditiva estar ouvindo música, perguntei para mãe dela o porquê disso.
– Apesar da deficiência, A. gosta da vibração que o som emite e consegue absorver o ritmo. Ela acaba ouvindo de outra forma!, disse a mãe.
Incrível! Resolvi fazer um teste: mostrei o cavaquinho pra menina, pedi que ela colocasse uma de suas mãos nele e comecei a tocar. Ela prontamente abriu um sorriso, sentindo a música e, encantada, olhou para mãe dizendo com sinais:
– Eu estou sentindo, mãe! Estou sentindo!
Contente, a mãe começou a dançar e acabamos todos na enfermaria dançando juntos. Na verdade, foi mesmo uma questão de comunicação.
Assim como na vida, em meio a tantas discordâncias, talvez a comunicação seja mais fácil quando nos colocamos no lugar do outro e, a partir disso, estabelecemos um diálogo buscando um caminho de harmonia mais justo para todos.