“Dr. Charlito, você deveria riscar o dia 8 de julho de 2014 do seu calendário e fingir que ele nunca existiu.”
Essa foi a sugestão do Dr. Zequim Bonito depois de uma série de trapalhadas vividas por seu parceiro. Pra começar, antes mesmo de chegar ao hospital, Charlito já acumulava um punhado de contra-tempos.
1. Primeiro, uma real pane de despertador o fez sair atrasado de casa.
2. Como se não bastasse, errou a direção da linha do metrô. Sonolento e abobalhado dirigiu-se para o Itaci, seu antigo local de trabalho, ao invés de seguir para o Hospital do Grajaú, seu atual local de trabalho.
3. Quando percebeu o erro, tentou voltar. Quis passar por baixo de uma cancela na estação Paulista-Consolação para ganhar tempo. Passou o pescoço, a cabeça, a primeira perna e, por falta de sorte – ou de habilidade – quando faltava passar a segunda perna, enganchou a alça da mochila na haste da cancela e ficou ali, preso e pendurado por uns bons instantes aos olhos dos passantes apressados.
4. Bom, acabou se livrando, não sem uma boa dose de constrangimento, e pegou o metrô certo. Chegou ao hospital e, ai ai ai, cadê o crachá? Pois é, ele esqueceu.
5. Foi liberado graças à autorização do departamento de Humanização. Finalmente poderia entrar na salinha-vestiário. Hé hé hé, poderia, se não tivesse perdido a chave.
6. Santo Anderson, nosso fiel escudeiro da Humanização, providenciou uma nova chave. Entramos na salinha-vestiário. Nos trocamos, maquiamos, aceleramos e recuperamos o tempo perdido até ali. Agora sim, o trabalho vai começar. As crianças estão esperando. Os pais e funcionários também.
Vamos?, eu pergunto. Vamos!, ele responde.
Giramos a chave e, para completar os pepinos daquela manhã, a chave quebrou-se ao meio, bela e bonita, dentro da fechadura. Estamos presos, socorro! Tirem-nos daqui!
Charlito desespera-se, corre de um lado para outro. Ajuda, ajuda! E, alguns minutos depois, a equipe de manutenção, após uma breve confabulação, simplesmente decide retirar a porta inteira de seu batente para liberar o pobre Dr. Charlito e seu desamparado parceiro, o Dr. Zequim Bonito.
7. A essa altura, o hospital inteiro já estava sabendo do drama vivido pela dupla.
“Charlito, o dia mal começou e você acumulou um transtorno atrás do outro. E eu que não tinha nada a ver, estou caindo de gaiato nas suas desventuras. Não está achando esquisito esse dia?”
Dr. Charlito não tinha forças para responder ao Dr. Zequim. Só lhe restavam esperanças de que as coisas melhorassem para ele e, por consequência, para seu parceiro. Faltava somente solucionar a questão do almoço, já que sem crachá não se entra no refeitório.
Pronto, excetuando-se esses 7 passos em falso, o dia do Dr. Charlito seria normal dali para frente.
Ah, claro, um último fato ainda ocorreu naquele dia.
No avançar da tarde, um placar de 7 x 1 brilhou no placar do estádio do Mineirão. Mas, comparado com os atropelos vividos pelos palhaços, aquilo era fichinha.
Dr. Zequim Bonito (Nereu Afonso)
Hospital do Grajaú – Julho de 2014