Tem dia que o céu está com muita nuvem e pouca estrela. Noutro, o céu está cinza e com a lua brilhando. Ele é assim. Impermanente.
Não posso definir o céu apenas com uma cor. Estaria reduzindo sua capacidade de fluir. E se em algum momento definirmos que em todos os lugares e momentos da vida o céu é o mesmo, estamos limitando nossa visão de céu. Ele é uma vastidão de coisas.
No trabalho da Besteirologia, criança é um pouquinho de tudo: tem criança que se transforma em bicho, porta soro, tem criança muito pequenina que amedronta os palhaços com sua força, tem criança careca, com cabelo, cabelo pela metade, com perna, sem perna, rica, pobre, negra, loira, que anda, que nunca andou. São todas crianças, imprevisíveis.
Certo dia, perguntamos a uma criança cega se ela era casada. Lógico que esperávamos um “não” ou um “sim” de brincadeirinha. Ela disse que era aposentada. APOSENTADA? Ficamos surpresos com sua resposta.
Outro dia, chegamos à sua enfermaria e ela estava deitada no leito. Logo a sua mãe disse:
– Ela está sem enxergar, andar e falar.
Como se o subtexto fosse: vem outro dia quando ela estiver melhor. Ah, mas não existe um formato de criança que escuta música? Cantamos uma música no pé do ouvido da pequena e ela deu um sorrisão. Dissemos que era o Dr. Marmelo e o Dr. Eu que estavam cantando. Ela sorria, sorria…
Outra vez nos foi confidenciado que a E., na UTI, não estava querendo se alimentar. Ao chegarmos ela estava mais uma vez se recusando a comer. Ao seu lado, um copo de leite achocolatado com um canudo… Copo cheio de possibilidades para os besteirologistas:
– Hmmmm que gostoso! Vou tomar!
– Quem toma sou eu!
– Sou eu!
– Não, eu!
E de repente a menina se manifestou:
– Para! Esse leite é meu!
– Você vai tomar esse leite? Agora?
– Sim, me dê!
Seguramos o copo enquanto ela sugava no canudo.
– Tá gostoso?
– Deixa ela tomar!
– É dela!
– Assim não vai sobrar nada pra gente!
Antes do leite sumir totalmente do copo, a E. regurgitou um pouco de leite sobre a própria roupa. E antes que pudéssemos reagir àquela situação, ela disse de pronto:
– Normal, eu sou assim mesmo!
Dr. Eu_zébio (Fábio Caio) e Dr. Marmelo (Marcelo Oliveira)
Hospital da Restauração – Recife