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Os altos e baixos que tenho vivido em isolamento social

23 de junho de 2020
Tempo de leitura: 3 minutos

Tereza Gontijo

Atriz e palhaça. Atua como Dra. Guadalupe na Doutores da Alegria, em São Paulo, desde 2008.

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Venho refletindo sobre essa dualidade que se impõe como norma nas nossas vidas: ora estamos bem, ora estamos mal. Ora felizes, ora tristes. Uma crença silenciosa de que, se algo está bem, num momento seguinte estará pior e vice-versa.

Essa tem sido a minha percepção sobre o isolamento social: sentimentos paradoxais ocupam o mesmo lugar e, ao invés de se constituírem como separados, são, contraditoriamente, fusionados e complementares. Às vezes a montanha-russa parece estar num pico, mas logo adiante está numa depressão. A busca seria por permanecer, o maior tempo possível, nesta “crista da onda”, carregando uma angústia silenciosa por acreditar que, se as coisas estão bem, logo tenderão a piorar. E a vida segue nesta balança, pendida em lados opostos.

Cara ou coroa – ou cara e coroa?

Mas será que ela obedece mesmo a essa lei? Será que as coisas são assim, tão contrárias? Tenho pensado que não e isso é, justamente, o que tenho vivenciado emocionalmente por aqui. Tenho descoberto que os sentimentos que eu julgava contrários se processam ao mesmo tempo, juntos, o que cria um grande cansaço mental e confusão emocional.

Permitam-me a sinceridade: estar em isolamento social não tem sido fácil, mas, ao mesmo tempo, tem sido um grande privilégio para quem pode seguir essa conduta, neste momento. Se você tem condições de trabalhar em casa, expõe-se razoavelmente menos ao risco de contaminação pelo coronavírus, protegendo a si mesmo e aos seus. Ao mesmo tempo, tem que lidar com os desafios da convivência diária com familiares ou conviver com a solitude, se estiver só.

Se tem filhos, como eu, desfruta de um momento também privilegiado na companhia deles. Tem a oportunidade de vivenciar momentos que talvez não estivesse desfrutando naquele ritmo intenso de vida que estávamos antes da quarentena. Vivenciar experiências muito prazerosas ao lado deles e, ao mesmo tempo, desejar intensamente momentos para estar sozinho, na companhia de si mesmo, podendo atender aos teus, somente aos teus anseios. Mas não é possível. Ou, estando só, talvez deseje ardentemente a companhia de alguém.

A doutora Guadalupe no Bloco do Riso Frouxo, realizado durante o carnaval nos hospitais

No âmbito profissional, tem sido um momento paradoxal, pois estamos nos adequando a uma nova forma de atuar através da tecnologia e mídias sociais. E, mesmo cientes de que gozar dessa possibilidade de trabalho é uma situação privilegiada, ela também nos exige dedicação, especialização, atualização e aprendizado em tempo acelerado. As coisas caminham rapidamente, no tempo mesmo da urgência pela sobrevivência. Tal circunstância, ao mesmo tempo em que promove um grande aprendizado, permitindo a obtenção de novas ferramentas de expressão e comunicação, promove também ansiedade, esgotamento, angústia, irritação. Principalmente se você não pode desfrutar de um ambiente que seja favorável ao seu desenvolvimento.

Em meio ao caos

Aqui parece que tudo acontece em meio ao caos. E é nele que o aprendizado acontece, o amor acontece, o descontrole acontece, pequenos milagres acontecem, o choro acontece, o pânico acontece, o carinho e o cuidado acontecem, a raiva acontece, o tempo acontece, a falta de tempo acontece. E questões: onde estávamos? Para onde caminhávamos individualmente e como sociedade? Onde estamos? Para onde caminharemos? O que desejamos que seja modificado após essa experiência? O que precisa deixar de ser? Será possível? Como será?

Então, quando alguém me pergunta se estou bem eu respondo que sim, que estou bem. Pois considero que ter saúde, ter uma família saudável, moradia e condições de seguir trabalhando, ainda mais neste momento, é sinônimo de estar MUITO bem. Mas que não está sendo fácil. E isso é ruim? Não, não é ruim. É o que é.

Descubro, portanto, que talvez sustentasse uma crença de que a felicidade acontece quando tudo está em ordem, quando estamos plenamente felizes, realizados, desfrutando daquilo que sonhamos para nós mesmos, felizes pelas conquistas, pela harmonia das coisas. Descubro que, nesta minha crença, qualquer elemento de desordem a esta harmonia poderia significar aquilo que eu dizia no começo do texto: o início de uma fase ruim, o começo da tristeza, aquele momento em que as coisas vão “começar a piorar…”.

Como um barco no mar

Acho que a vida tem me mostrado que ela não funciona num plano vertical feito de alto e baixos. Talvez ela funcione mais como um barco no mar, seguindo num plano horizontal, que muda seus percursos, vira para um lado, para o outro, vai à frente e atrás, sobre e desce um pouco sim, com as ondas, mas nunca está num pico prestes a cair, ou numa montanha, prestes a subir.

A vida segue um curso; e as emoções, os sentimentos e as circunstâncias são a água misturada desse mar salgado que vai sempre batendo por todos os lados, nos conduzindo com calmaria ou fúria; respingando, inundando, oferecendo o suporte por onde navegar. Enganei-me ao pensar que ela era uma via asfaltada que leva sempre em frente a um destino certo. Ledo engano. É tudo, ao mesmo tempo, agora.

Outro grande aprendizado tem sido olhar para o lado e dar-se conta de que este mar está repleto de embarcações. Cada uma à sua maneira e muitas precisando de socorro. Se cada uma delas decidir seguir seu próprio percurso, vão começar a chocar-se, e isso pode afundar a todos. Pois não pode ser assim. Como num barco com sua visão panorâmica, nos vemos a todos, ou pelo menos, temos essa chance. E podemos ver onde precisamos agir, quem precisa de ajuda, quem precisa ser resgatado, quem tem condições de ajudar.

Ainda que a sensação seja de que estarmos todos à deriva, temos uns aos outros. O mar está agitado, mas não estamos sós.

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